TJPA - DIÁRIO DA JUSTIÇA - Edição nº 7219/2021 - Sexta-feira, 3 de Setembro de 2021
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decidir. A pretensão recursal comporta guarida. Há de se ressaltar, a priori, que "a errônea
valoração da prova, a permitir a intervenção desta Corte na questão, é a jurÃ-dica, decorrente de
equÃ-voco de direito na aplicação de norma ou princÃ-pio no campo probatório" (AgRg no AREsp
26.857/GO, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 27/9/2013; AgRg no AREsp
501.581/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe
25/09/2014), razão pela qual não há óbices à cognição ampla do presente recurso. Na origem,
cuida-se de mandado de segurança na qual buscada a estabilização de vÃ-nculo jurÃ-dico laboral com
a Administração Pública do Estado do Mato Grosso. Da leitura atenta do acórdão recorrido,
percebe-se que, a despeito de (a) não haver nulidade no ato de demissão do impetrante, o qual foi
contratado temporariamente por longo perÃ-odo de tempo, de (b) o impetrante não fazer jus Ã
estabilidade extraordinária, de (c) a permanência do vÃ-nculo ensejar afronta à exigência constitucional
do concurso público, e de (d) o longo perÃ-odo de contrato não ensejar sua transmudação, o Tribunal
a quo decidiu por conceder estabilidade ao impetrante. A estabilidade foi concedida em razão da (a)
estabilização jurÃ-dica decorrente da decadência administrativa (art. 54 da Lei nº 9.784/99) e das
normas previstas nos artigos 173 e 174 do CTN, 19 do ADCT, e, 7º, 183 e 191 da CF, dos (b) valores da
função social das relações e da boa-fé (art. 421 e 422 do Código Civil), dos (c) princÃ-pios da
segurança jurÃ-dica e da dignidade da pessoa humana. Salto aos olhos a impossibilidade da concessão
da ordem, uma vez que não está caracterizado o ato ilegal, violador de direitos, tampouco a violação
de direito lÃ-quido e certo. Não bastasse, os referidos princÃ-pios da segurança jurÃ-dica e da dignidade
da pessoa humana em seu mais alto grau de abstração e generalidade não justifica, in casu, a
derrocada das normas jurÃ-dicas proibitivas que estabelecem tese jurÃ-dica diametralmente oposta à quela
que dimana do aresto objurgado. O caso dos autos tampouco enseja a aplicação do artigo 54 da Lei
nº 9.784/99 o qual foi contrariado pelo juÃ-zo a quo, visto que não houve a anulação de ato
administrativo pela Administração Pública, mas apenas a edição do competente ato demissório.
De igual forma, não há falar nos valores da boa-fé, nem da função social das relações civis,
visto que tais relações estão completamente delimitadas no âmbito do Direito Público que é
contrário à pretensão estabelecida e ratificada. Aliás, nenhuma serventia possuem os artigos 173 e
174 do Código Tributário Nacional, o artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ou os artigos 7º, XXIX, 183 e 191 do Texto Constitucional, sem que estejam delimitadas as premissas de
fato para sua aplicação, sem a fattispecie. Estabelece-se, desse modo, a violação dos artigos de lei
alegados, todos inaplicáveis à espécie e incapazes de escorar o decisório combatido, bem com a
manifesta contrariedade à exigência constitucional do concurso público. Nos termos da jurisprudência
cristalizada do Supremo Tribunal Federal é indispensável o concurso público para provimento de
cargos e empregos públicos, conforme se depreende do enunciado da Súmula nº 685/STF: "ÿ
inconstitucional toda modalidade cie provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia
aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira
na qual anteriormente investido". A respeito: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Arts. 68, 69 e 70
da Lei nº 8.269/2004, do Estado de Mato Grosso, que permitem o provimento de cargos efetivos por
meio de reenquadramento. 3. Violação ao artigo 37, II, da Constituição da República, que dispõe
sobre a exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público. 4. Ação
Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3442, Relator (a): Min. GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2007, DJe-157 DIVULG 06-12-2007 PUBLIC 07-12-2007 DJ 07-12-2007
PP-00018 EMENT VOL-02302-01 PP-00155). Há de se relembrar, outrossim, que a estabilização
pretendida é contrária a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, forte no sentido de que
"teoria do fato consumado visa preservar não só interesses jurÃ-dicos, mas interesses sociais já
consolidados, não se aplicando, contudo, em hipóteses contrárias à lei (...)" (REsp 1.189.485/RJ, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 28.6.2010; AgRg no REsp 1453357/RN, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 09/10/2014). Anote-se que em caso semelhante ao dos
autos, esta Corte Superior já se manifestou no sentido de que a permanência de servidores contratados
pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, com fundamento no artigo 280 da Lei Complementar
Estadual nº 04/90 que alterou o regime de trabalho de contratação para o regime estatutário,
afronta "(...) princÃ-pios constitucionais basilares, pois estar-se-ia permitindo a estabilidade sem
obediência aos requisitos a ela inerentes, quer sob a forma de estabilidade ordinária (CF, art. 37, CF) ou
extraordinária (ADCT, art. 19)". Eis a ementa do julgado: ADMINISTRATIVO. SERVIDORES
CELETISTAS. PRETORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÿA DO ESTADO DO MATO GROSSO. CARGO
TRANSFORMADO PARA PROVIMENTO EM COMISSÿO EM VIRTUDE DE LEI. LEIS ESTADUAIS Nº
5.686/90 E 6.046/92. CONCILIADORES. DEMISSIBILIDADE "AD NUTUM". CONVERSÿO DO
EMPREGO EM FUNÿÿO PÿBLICA. ESTABILIDADES ORDINÃRIA OU EXTRAORDINÃRIA.